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Lidando com a Herança Transgeracional

Alexandre Fontoura dos Santos

 

Na mitologia grega, um dos doze trabalhos dados ao herói Hércules era o de limpar em um único dia o excremento acumulado em estábulos ao longo dos séculos. Este simbolismo antigo pode ser entendido como a necessidade de lidarmos com certos conflitos psicológicos que insistem em se atravessarem em nossas vidas. No caso deste episódio do mito em questão, seriam os conflitos herdados das gerações anteriores, que se encontram gravados como complexos inconscientes.

 

Pais e mães existem de muitas formas, compreensivos ou cobradores, intransigentes ou flexíveis, superprotetores uns, incentivadores outros... Todos, certamente, com suas próprias conquistas e qualidades, herdeiros de histórias talvez desconhecidas e conjunturas familiares que tiveram de lidar, nem sempre com sucesso absoluto em sua economia emocional. Suas riquezas estão ao nosso dispor, no carinho e afeto recebidos. Em maior ou menor nível, há também contrariedades, que acabam tornando-se um desafio natural, e das quais nossa individualidade tem de aprender a se diferenciar para nosso devido amadurecimento psicológico.

 

Há casos em que pais excessivamente ansiosos transmitiram a sensação de perigo constante, cobradores podem ter gerado aos filhos o fantasma da insegurança, com ou sem manifestação de prepotência compensatória, entre muitos outros. A conflitiva pode ser percebida de muitas formas, como quando o indivíduo depara com situações em que sente-se repentinamente impotente, ou emocionalmente provocado sem motivos aparentes. No fundo, dialoga-se sem saber com a imagem das figuras parentais.

 

Tais complexos transgeracionais nos trazem a grande necessidade de superá-los, sem a qual não seremos capazes de viver nosso mito pessoal, de liberarmos nossos potenciais ocultos e que anseiam por serem vividos.  Por outro lado, apenas a constatação de que há conflitos desta ordem traz o perigo do rancor, que pode aprisionar-nos na posição de revolta e vitimização excessiva, impeditivos de nosso crescimento.

Esta luta interior, que abre caminhos para o crescimento, pode parecer inicialmente árdua. Mas para realizar-se, em seu sentido psicológico, cada indivíduo tem a necessidade de trilhar o próprio caminho rumo ao autoconhecimento, liberando-se para uma vida sem culpas, porém com responsabilidades.

 

A psicoterapia, momentos a sós de reflexão e instrospecção, o diálogo, a busca de tentar compreender aos outros são algumas ferramentas válidas neste sentido. Possibilita-se, assim, a capacidade de resiliência: quando as feridas do passado, agora trabalhadas em nosso íntimo, nos dão forças e capacidades de compreensão que jamais teríamos se não as tivéssemos vivido. Sua busca, portanto, é passo imprescindível para a aquisição da capacidade de amar a nós mesmos e nos relacionarmos sadiamente com quem amamos.

 

(Texto publicado no jornal Conceito Saúde, Porto Alegre, p. 17, 01 mar. 2015.)

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